Você já se perguntou se as gorjetas que deixa em restaurantes e bares realmente fazem parte do salário dos empregados? As gorjetas frequentemente aparecem discretamente na conta do restaurante – às vezes como “taxa de serviço” – ou são incluídas apenas após a autorização do cliente. Certo é que as gorjetas, surgem frequentemente na hora de fechar a conta, seja de restaurante ou outro serviço, e costumam gerar uma série de dúvidas para os envolvidos.
O que são gorjetas?
Gorjetas são valores que os clientes optam por deixar como reconhecimento pelo serviço prestado, podendo variar no valor da porcentagem (10%, 15% ou mais) e na forma de pagamento (cobrança conjunta ou separada do montante principal).
No Brasil o entendimento sobre as gorjetas é diferenciado para cada parte envolvida:
- CLIENTE: A legislação brasileira – especialmente a Lei 13.419/2017 – define as gorjetas como voluntárias, ou seja, são pagas de acordo com a vontade de quem utiliza o serviço.
- TRABALHADOR: A legislação prevê que os valores auferidos a título de taxa de serviço fazem parte de sua remuneração, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
- EMPREGADOR: A lei prevê que as gorjetas não constituem receita própria. Devem ser destinadas aos trabalhadores de acordo com o artigo 457, parágrafo 3º, da CLT.
Para todas as partes, é relevante conhecer não apenas a legislação, mas a jurisprudência dos tribunais sobre o assunto. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou sobre vários aspectos desse tema, os quais vamos ver abaixo.
Legislação e Jurisprudência
COM NATUREZA JURÍDICA SALARIAL, GORJETA NÃO É DO ESTABELECIMENTO
Em 2019, a Primeira Turma decidiu que as gorjetas têm natureza jurídica de verba salarial, ou seja, têm a finalidade de reforçar o salário dos empregados.
Em um caso envolvendo a taxa de serviço cobrada por bares, restaurantes e hotéis, foi impetrado mandado de segurança para impedir a incidência de quatro tributos (PIS, Cofins, CSLL e IRPJ). A Fazenda Nacional alegou que a verba ingressa efetivamente no faturamento dos estabelecimentos e, ao final, compõe a remuneração dos empregados.
O relator do agravo interno no REsp 1.796.890, ministro Gurgel de Faria, afirmou que o estabelecimento atua como mero arrecadador, não podendo as gorjetas integrar seu faturamento ou lucro para o fim de apuração daqueles tributos federais.
TAXA DE SERVIÇO NÃO DEVE SOFRER INCIDÊNCIA DE TRIBUTOS DE RESPONSABILIDADE DA EMPRESA
Além disso, em 2019, ao julgar o agravo interno no REsp 1.780.009, a Segunda Turma reafirmou que os valores arrecadados com as gorjetas não constituem renda, faturamento ou lucro para o estabelecimento, “estando, portanto, fora da incidência de IRPJ, Cofins, PIS e CSLL”. Em 2022, a Primeira Turma confirmou essa posição, negando provimento ao agravo interno no no REsp 1.668.117, interposto pela Fazenda Nacional, e reforçando que a jurisprudência do STJ não permite a tributação das taxas de serviço.
O raciocínio adotado pelo STJ está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Ainda nesse sentido, a Segunda Turma julgou o agravo interno no REsp 1.817.513, e confirmou que é indevida a inclusão dos valores referentes à taxa de serviço nos cálculos da contribuição ao PIS, da Cofins e da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).
INCLUIR A GORJETA NA BASE DE CÁLCULO DO SIMPLES NACIONAL? NÃO!
No AREsp 2.381.899, a Segunda Turma também reconheceu que as gorjetas não se incluem na base de cálculo do Simples Nacional. O relator, ministro Mauro Campbell Marques, argumentou que, é ilegítimo o recolhimento de tributos sobre a gorjeta. Além disso, ele afirmou que não se pode cogitar a inclusão da gorjeta na base do Simples Nacional.
O ministro ressaltou que, para a jurisprudência do STJ, as gorjetas não integram o preço do serviço para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS). Portanto, devem ser excluídas da apuração do Simples Nacional. Em tempo: a base de cálculo para os prestadores de serviço é o preço dos serviços prestados. O relator lembrou que, de acordo com o artigo 18, parágrafo 3º, da Lei Complementar 123/2006, o Simples Nacional incide sobre a receita bruta do estabelecimento.
TAXA DE SERVIÇO INTEGRA A REMUNERAÇÃO DO EMPREGADO
Apesar de não compor a base de cálculo dos tributos que atingem a empresa, a taxa de serviço faz parte da remuneração do trabalhador. Por isso, ela não fica isenta de todo e qualquer imposto. Ainda no mesmo julgamento, o ministro Mauro comentou que a gorjeta compõe a remuneração do empregado. Sendo assim, deve entrar na base de cálculo dos impostos e contribuições incidentes sobre o salário.
ENTENDIMENTO DO STJ PERDURA POR MAIS DE TRÊS DÉCADAS
A ministra aposentada, Assusete Magalhães, comentou que a jurisprudência do tribunal há muito tempo refuta a tese de que as gorjetas deveriam ser contabilizadas. Ela se referia à base de cálculo do PIS, Cofins, IRPJ e CSLL. Isto porque não se trata de faturamento da empresa, mas remuneração devida aos trabalhadores (voto-vogal no AREsp 2.381.899).
Ela explicou que os primeiros precedentes que excluíram as gorjetas do cálculo dos tributos sobre receita bruta ou faturamento tratavam do ISS. Um exemplo disso é o REsp 6.627, julgado em 1992. Por mais de 30 anos, a jurisprudência da corte se consolidou no sentido de que as gorjetas só devem ser consideradas na base de cálculo dos tributos que incidem sobre o salário. Assim, em relação ao caso julgado, a ministra concluiu que “não se trata de excluir as gorjetas da base de cálculo do Simples Nacional. Ela afirmou que é importante ter presente que elas nem sequer estão no seu campo de incidência”.
No recente julgamento do agravo interno no AREsp 1.846.725 pela Primeira Turma, o relator, ministro Gurgel de Faria, se manifestou sobre o tema. Ele afirmou que “não se vislumbra nenhuma possibilidade” de considerar a gorjeta como parte da receita bruta. A receita bruta é a base de cálculo do Simples Nacional, conforme descrito pelo artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006.
E como ficam as gorjetas nos bares e restaurantes brasileiros?
Em resumo, as gorjetas são uma prática comum e valiosa no setor de alimentação brasileiro. Para os empresário é fundamental entender essas nuances para garantir a conformidade fiscal e o bem-estar dos seus funcionários. Sempre embasados em uma legislação e jurisprudência que favorecem a sua destinação correta. Se precisar de algum esclarecimento entre em contato com a nossa equipe.
Referências:
– STJ
– DALLA VECCHIA ADVOCACIA & CONSULTORIA JURÍDICO EMPRESARIAL